Coadjuvância
Todo trabalho a dois
sempre há alguém que trabalha mais. Mil
séculos de avanços científicos e o homem ainda não sabe fabricar um rim, dentro
do maior laboratório que há. A natureza é sábia, não sei se o homem aguentava
essa pressão. Tudo o que meu corpo produziu na vida toda foi uma pedrinha de
dois milímetros s de ácido úrico. E até hoje reclamo de dor.
A mulher, sozinha, sem
qualquer ajuda faz um corpo inteiro: trilhões de células, diz o GOOGLE. E tudo
isso, pasme, prestando atenção em outra coisa.
Nunca vou me acostumar com
isso: enquanto conversava comigo, a mãe da minha filha produziu um corpo
inteiro dentro do corpo dela. Ao mesmo tempo que tomava banho, trabalhava,
assistia televisão, ela fez, como se nada fosse, braços, pernas, pulmões,
coração, cabelos, etc etc etc fez coisas que ela não sabe nem para o que servem, fez
baço, pâncreas, visícula, córnea. Da minha parte tenho dificuldade em prestar
atenção num filme enquando faço um misto-quente. Imagine se eu tivesse que
fazer um cérebro.
E não para por aí. Depois
que a criança nasce, a mãe ainda faz o leite. E ela não precisa ter estudado
alquimia nem nutrição nem culinária: o leite que ela faz é perfeito e tem tudo
o que um bebê precisa. E ela faz do próprio corpo uma lanchonete aberta 24
horas, um bandejão popular que produz uma selva até hoje inimitável.
Nesse processo todo, sobra
para a gente o resto. Mas alto lá: a coadjuvância é, também uma arte. Não vou
dizer que é fácil.
No nosso caso, a
coadjuvância envolve coisa pra caramba: amar profundamente, botar pra arrotar,
trocar fraldas, ninar, cantarolar, esterilizar, mas, sobretudo, lembrar todo
dia que a mãe tá operando um milagre. Se
dependesse de mim, tava ninando uma pedrinha de ácido úrico.
Este texto foi adaptado por mim e extraído da Coluna –
do Gregório Duvivier: “Viva a nossa coadjuvância”, da sexta-feira, 26 de
fevereiro de 2018, na Ilustrada, da Folha de São Paulo.
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